Eu sou mulher e acredito em destino. O destino obriga o tempo a engolir os anos da juventude com a força de um tsunami. Em contrapartida, usa marolas para retardar a chegada da velhice. Começa com pequenos respingos aqui e ali no campo de visão. De repente, a lente que usávamos ao corrermos despreocupados nos gramados verdinhos, enquanto o mundo devolvia a sua dimensão aumentada por nosso olhar infantil, já não é mais tão cristalina.
É que, sem percebermos, ondas volumosas se formam no horizonte, para nos cobrir com as obrigações da maturidade. Adaptamo-nos à vida adulta, passamos a nos segurar no trabalho como a uma tábua de salvação. Deixamos de lado as amizades que nos arrancavam gargalhadas e nos traziam leveza. Tornamo-nos interlocutores no outro lado da linha, marcando reuniões de negócios pelo celular, muitas vezes no meio da rua, em parada rápida para um cafezinho.
Lutamos contra o carrasco invisível, mas ao final de cada batalha diária, nos agarramos obstinados aos botes salva-vidas de almas. Em alto mar de incertezas, quando a influência da lua provoca correntes marítimas e alterna o percurso da embarcação, a família é o nosso Norte.
Compreendemos a chegada do fim quando o corpo entrega a sua fragilidade, quando as lágrimas desassossegam e denunciam a nossa ausência de robustez. Quando nada mais nos resta a não ser cobrirmos o rosto com as mãos para escamotearmos o medo que sentimos do desconhecido.
Eu sou mulher e acredito em destino. No corpo fui tatuada com os rabiscos do tempo, no espírito com a necessidade premente de me salvar dos naufrágios.
(Catia Schmaedecke)
Porto Alegre, 18 de novembro de 2021.